quinta-feira, 24 de maio de 2012

“Confit de porc?” ou “Carne de lata”?


(Artigo da coluna mensal de gastronomia do Jornal das Lajes, de Resende Costa-MG - Escrito por "ele", sempre com ajuda "dela")
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“Confit de porc?” ou “Carne de lata”?

                                                                                           Cláudio Ruas | 13 de Dezembro de 2011

Um mineiro da roça que acabou indo visitar a Europa, logo foi pra capital da França, a charmosa e badalada Paris. E o amigo metido a chique acabou levando-o pra um restaurante bem sofisticado. Pegou o cardápio morrendo de medo e, sem entender nada, já foi direto aos preços, quase caindo da cadeira, quando seu amigo falou: “A sugestão do chef é esse aqui!”, apontando para o confit de porc. Sem alternativa e com grande expectativa com algo tão inédito (e caro), pediu o prato, que chegou coberto com aquela pomposa tampa de metal. Mas quando viu e provou a iguaria, tomou um susto: “Uai, isso aqui tá igualzim a carne de lata da minha mãe lá na roça!”. “Mas não é possível”, retrucou seu amigo, que logo perguntou ao garçom como era preparado, ficando estarrecido com a resposta: o prato chique e caro do restaurante nada mais era do que a “carne de lata” que nós mineiros do interior conhecemos muito bem.

Pra quem não sabe, essa é uma técnica muito antiga, trazida pelos europeus e utilizada, sobretudo, para conservar a carne do porco abatido (ou de outros animais) em sua própria gordura. A carne é frita e depois armazenada em uma lata, mergulhada na gordura, podendo durar vários meses fora da geladeira. Na hora de consumir, basta tirar um pedaço e esquentar na frigideira com a própria gordura endurecida que vem agarrada nele. Tomando os devidos cuidados (como não usar talher sujo e molhado e não deixar pedaços descobertos – lições da minha querida vovó Lia) essa preciosa lata dura muito tempo, o que torna a carne ainda melhor após a sua maturação, seu descanso, sem pressa...coisa de mineiro. Daí se explica a palavra “confit”, que na gastronomia quer dizer “feito lentamente, com alguma gordura”, seja lá qual ingrediente for, desde o tradicional prato francês confit de canard (pato na gordura do pato), até mesmo um tomatinho assado no forno fraco com bastante azeite.

Mas voltando à “carne de lata”, é interessante notar que hoje em dia ela tem sido cada vez mais valorizada por aqui, deixando de ser apenas uma coisa restrita à roça. Até no mercado já existe à venda e em alguns bares e restaurantes ela é servida com muita “personalidade”. Além do sabor incomparável, a “carne de gordura” ainda tem outras vantagens, como a facilidade de preparo (basta aquecê-la, até mesmo no micro-ondas!), o aproveitamento da gordura saborosa pra elaborar outros pratos (verduras, farofas etc.) e a desnecessidade de geladeira, evitando trabalho, prejuízo, energia elétrica etc. (tudo que um dono de bar/restaurante quer). Outro ponto positivo é que não é preciso estar na roça e matar um porco pra se encher uma lata de carne, pois seu preparo é muito mais simples do que se imagina. Uma receita bem fácil e com menos sujeira é: temperar com antecedência a carne (pernil ou costelinha) com apenas alho e sal; levar ao forno em fogo médio por 45 minutos; em uma panela, derreter a banha de porco (encontrada em supermercados) e fritar a carne rapidamente, passando-a em seguida diretamente para a vasilha seca e higienizada em que for guardá-la (baldinho de plástico com tampa, daqueles que vêm com azeitona ou cogumelo, é uma boa); esperar esfriar um pouco a gordura e despejá-la por cima da carne, cobrindo-a completamente e, principalmente, não tampar até que tudo esteja totalmente frio (isso é muito importante, senão a superfície mofa). Vale a pena fazer e ver que o “chique” muitas vezes é o simples encarecido. E que ingredientes “simples” (como miúdos de porco e boi, por exemplo), são muito mais valorizados e consumidos no primeiro mundo do que no Brasil. Sorte nossa é que se der vontade de comer um confit de porc , não é preciso ir a Paris, basta ir ao bar do Vanderlei Baixinho em Resende Costa!

Mas voltando ao causo do mineiro, no final do jantar e com os beiços brilhando ele disse: “Tava bão por demais, mas a carne lá da roça ainda é bem mió. E beeeeem mais barata...”.

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