sexta-feira, 9 de agosto de 2013

PESCARIA NO RIO SÃO FRANCISCO - NORTE DE MINAS

"Minas são muitas", já dizia o mestre Guimarães Rosa. E são mesmo.O tamanho do território aliado às influências das variadas fronteiras fazem de minas quase um país dentro de um país. Mas infelizmente acabamos não conhecendo direito alguns "estados" desse nosso "país" chamado Minas Gerais, principalmente os mais distantes, como o Norte de Minas.

Nosso país e seus estados
Imagem: www.turismo.mg.gov.br/
Mas a incessante vontade de conhecer mais e melhor esse nosso "estado de espírito" fez com que o CASAL GASTRÔ partisse simultaneamente para os extremos opostos do estado no final do mês passado. Ela foi para o sul, no coração da Serra da Mantiqueira, sua terra querida (e que será mais explorada no blog em breve). E ele foi para o norte, no coração do Rio São Francisco, para um pescaria na cidade do mesmo nome do rio. 


Se no sul faziam 3ºC, no norte faziam 33ºC. E as demais condições climáticas pareciam que estavam favoráveis para a pesca, com exceção da lua cheia (a claridade espanta certos peixes). Mas é impossível se zangar com uma lua prateada ardendo em pleno Rio São Francisco, logo após o pôr do sol:

Lua com cara de sol
O pôr do sol então, é um capítulo a parte. Pra se emocionar de verdade:



Obs: as cores são essas mesmo, nada de photoshop.
Contrariando as expectativas e os bons indicadores de que a pesca seria boa (água limpa, rio baixo, pouco vento), a pescaria não foi das melhores naqueles dias, até para os pescadores profissionais que vivem por lá. Coisas da sábia natureza. Mas não foi das melhores somente em relação aos peixes, afinal, como já disse o caipira naquela piada: "pescar já é tão bão e ocê ainda qué que eu pegue peixe?!"
E realmente, a pescaria em si é muito mais do que um peixe grande bem fisgado. A preparação da viagem e das tralhas, o clima de amizade e companheirismo, os passeios de barco, as paisagens, o banho na prainha, o sol que morre e a lua que nasce no rio...
E, claro, as cervejas geladas, as cachaças cristalinas, as prosas e as comidas boas, em especial os peixes frescos. Saiu de perto do rio o peixe não é mais o mesmo, o que faz com que esse tipo de viagem não tenha preço.
Mesmo sem fartura de peixe, deu pra comer muita coisa boa, como um filé de dourado grelhado:




...surubim na brasa:



...moqueca de surubim:


...pirão de cabeça:


Além das incomparáveis carnes serenadas compradas na cidade de Mirabela na ida:


...como o contra filé na brasa, que foi parar no nosso PF com arroz, feijão rainha e farofa de coentro com cebola e urucum de São Francisco:


...e o arroz com alho e chã de dentro serenada:


Teve até feijoada e frango caipira, pois mineiro é desconfiado até na hora de ir pescar. 
Vai que não tem peixe?
Mas mesmo comendo peixe não deixamos de fazer o franguinho caipira, ensopado com batatas, urucum e páprica defumada:

Repare na cor linda do urucum do Norte de Minas

Pra quem conhece o famoso "Frango do Baú", esse
aí também foi na 2ª feira
E falando em frango, dois fatos curiosos ocorreram nessa viagem:
O primeiro foi a epopeia de um grupo de ribeirinhos vizinhos pra capturar e matar um frango. Um monte de gente correndo atrás, dando tiro de espingarda, gastando um tempão pra pegar o bicho, o que pra nós das montanhas não tem grandes dificuldades. Com certeza eles acham mais fácil pegar um surubim de 40kg do que um frango!
O outro fato foi a galinha do vizinho que todos os dias amanhecia dentro da churrasqueira ainda morna, deixando de presente pro nosso café da manhã um ovo caipira quentinho:

Se não fosse o presente, corria o risco de virar churrasco
Também valeu a pena demais as aulas sobre limpeza e preparo de peixes que tivemos com o Zé Vicente, pescador local, gente da melhor qualidade. E não perdemos a oportunidade de fazer alguns pequenos vídeos, pra guardar e compartilhar com vocês esse material didático que vale ouro:

Tirando a escama do dourado de um jeito interessante, rápido e sem ficar raspando o peixe e sujando o ambiente:


Tirando os filés com maestria:







"Grupiando" o filé do peixe, pra acabar com os espinhos:




Falando da "caranha passada a sol":




Ensinando a sopa e o caldo de piranha:





É um privilégio enorme poder aprender com pessoas assim. Os verdadeiros mestres da cozinha são gente como o Zé Vicente, ribeirinho riquíssimo em conhecimentos da beira do rio, mas sofrido pela falta de peixe e de políticas públicas. Os olhos marejando enquanto recebia de nós uma generosa parte da nossa despensa que havia sobrado comprovam o injusto sofrimento e o esquecimento de pescadores como ele nos dias atuais. Esperamos que dias (e peixes) melhores venham para ele e sua família...e aproveitamos ainda para agradecer novamente pelos ensinamentos e pela extrema boa vontade.

Os dias deliciosos passaram rápido e chegou a hora de voltar pra casa, mas já pensando no ano que vem.
No caminho, parada obrigatória na charmosa cidade de São Francisco pra comprar o máximo de peixe que cabia na bagagem:


Surubim e dourados

Pocomã: um dos mais esquisitos e saborosos

Caranha (ou pacu-caranha) de 9kg
Embornal cheio


E por fim, alguns kms adiante, parada pra pegar nossas preciosas encomendas na cidade de Mirabela, terra das melhores carnes de sereno (sol) de minas e do Brasil, onde a infinidade de açougues fazem fila pra te seduzir.
Além da técnica apurada de cura da carne e do clima propício para isso, a qualidade dos bois do Norte de Minas é impressionante.


As mantas ficam dispostas em grandes vitrines

Olha o "marmoreio" da carne, que felizmente não é
da Friboi, viu Tony Ramos!

Picanha de Mirabela com mandioca de São Francisco e
manteiga de garrafa de Montes Claros, na tábua de Buenópolis


Realmente Guimarães Rosa tinha razão. Minas são muitas...

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RECEITA DA VIAGEM: MOQUECA DE SURUBIM COM PIRÃO DE CABEÇA

Receita muito fácil de se fazer, preparada à beira do Rio São Francisco, com o surubim recém pescado.

Ingredientes:
(porção para 4 pessoas)

Para a moqueca:
1,5kg de surubim em postas (temperadas com azeite, uma pitada de sal e umas gotas de limão)
1 cebola grande (picada em cubos médios)
1 pimentão grande (picado em cubos médios)
3 tomates maduros grandes (picado em cubos médios e sem sementes)
Salsinha e coentro a gosto
Urucum (colorau), azeite e sal
1/2 vidro de leite de coco (opcional) 

Para o pirão:
1 cabeça de surubim picada (ou retalho/carcaça de peixe, ou postas picadas)
1 cebola pequena (picada em cubos médios)
1 pimentão pequeno (picado em cubos médios)
1 tomate maduro pequeno (picado em cubos médios e sem sementes)
Farinha de mandioca
Salsinha e coentro a gosto
Urucum (colorau), azeite e sal


Preparo 

Pirão
Colocar um poco de azeite na panela, ligar o fogo e dissolver o urucum nele, misturando com a colher;
Acrescentar os legumes os pedaços da cabeça, um pouco do cheiro verde, pitada de sal e refogar por 5 min;
Adicionar água fria até cobrir por completo, abaixar o fogo e deixar cozinhar por no mínimo 30min.


Moqueca
Colocar um poco de azeite na panela, ligar o fogo e dissolver o urucum nele, misturando com a colher;
Acrescentar metade dos legumes e do cheiro verde, uma pitada de sal e refogar por 2min;
Dispor as postas por cima do refogado, acrescentar a outra metade dos legumes por cima delas, uma concha do caldo do pirão, o leite de côco (opcional), tampar a panela e cozinhar por 10min (ou até que o peixe esteja cozido);
Desligue o fogo, coloque o resto do cheiro verde e deixe descansar com a tampa fechada.


Finalizando o pirão 
Coloque o caldo do peixe em uma panela menor (o mais indicado é coar a mistura para vir somente o líquido) e, com o fogo baixo, vá adicionando a farinha aos poucos, mexendo sem parar, por uns 5 min;
Desligue o fogo e finalize com um pouco de cheiro verde.

Dicas e observações:
Se não encontrar o surubim, faça com outro peixe, como a gurujuba ou até o cação. A receita de moqueca é básica e serve para vários peixes, camarão, siri, etc;
Cuidado para não colocar muito limão no tempero do peixe. O limão tem o poder de "cozinhar" os ingredientes, principalmente peixes, que são mais delicados.
Tem gente que não gosta, mas o coentro dá uma diferença tremenda na moqueca. Se for o caso, coloque só um pouquinho e deixe a salsinha dominar o cheiro verde. 
Tente fazer numa panela de barro. Se não tiver, compre. Ela é barata e ideal para isso, inclusive pela estética. Mas na panela comum também fica ótimo, como ocorreu na pescaria;
Deixe para finalizar o pirão já na hora que for comer;
Cuidado para não colocar muita farinha no pirão, pois ele pode engrossar além da conta. Vá aos poucos e, se for o caso, coloque mais caldo ao final;
Uma alternativa para fazer o caldo (quando não se tem a cabeça nem aparas), é um caldo japonês desidratado chamado "Hondashi", vendido em sachês nos melhores supermercados.

Sirva com arroz branco e bão apetit!


Harmonização sugerida
Cerveja: vai bem com um cerveja de trigo, leve e refrescante, como a excelente Walls Witte, da premiada cervejaria Walls de BH.
Vinho: se fizer a moqueca sem utilizar o leite de côco pode harmonizá-la com vinhos tintos de médio corpo, como os vinhos da uva Merlot elaborados no Brasil, que têm boa acidez para combinar com os sabores do prato. Se optar por usar o leite de côco, nossa sugestão é de vinhos elaborados com a uva Chardonnay, que serão tão aromáticos quanto o prato e combinará muito bem com a acidez da moqueca. 
Pimenta: malagueta curtida no óleo, daquelas que fazem a testa chorar. Mas lembre-se que a pimenta pode interferir um pouco na harmonização do prato com as bebidas caso queira fazer uma harmonização mais "sistemática". Por outro lado, uma moqueca dessas pede mesmo uma pimentinha...